O Dia Internacional da Mulher Rural é comemorado dia 15 de outubro. A data foi decretada através da Resolução 62/136 adotada na Assembleia Geral das Nações Unidas em 18 de dezembro de 2007. Para as mulheres chegarem a esse marco, foi preciso uma série de lutas, ano após ano, que garantiram seu lugar como mulheres portadoras de direitos e em busca de igualdade.
Questões trabalhistas
As mulheres rurais, em sua maioria, trabalham como donas de casa, agricultoras e nem todas recebem um salário pela função que exercem. Apesar de grande representatividade, muito do trabalho desenvolvido pelas mulheres continua sendo invisível e não pago. Segundo a ONU, as trabalhadoras rurais estão piores do que homens rurais ou mulheres que vivem nas cidades em quase todos os indicadores. Andreia Do Nascimento é uma dessas mulheres rurais que começou cedo no trabalho da lavoura. Para ela, logo que se “entendeu por gente” e pode ajudar, passou a participar do serviço junto aos pais. Quando questionada sobre seus direitos, deixa claro: “Que nada, não tem carteira. Nada, não temos direito nenhum. Se a gente aguentar é só a aposentadoria com 62 anos pra mulher e 65 para homens”. Hoje ela tem 40 anos e é mãe de duas meninas, uma de 14 chamada Jaíne e outra de 21, Jaqueline, que já é casada pela segunda vez e mora na cidade de Palmeira, deixando o trabalho do fumo para trás. De acordo com a lei, os jovens só podem ajudar na lavoura a partir dos 16 ou 18 anos e o trabalho realizado não pode ser considerado adverso, noturno, lesivo ou prejudicar de alguma forma o adolescente. Mas isso é um direito atual, que não vigorava anos atrás, quando muitas mulheres já ajudavam no fumo logo quando podiam, quando tinham força para produzir as “bonecas de fumo” - conjunto de folhas de fumo- ou colher lenha para as estufas.
Direitos das mulheres
Historicamente, as mulheres tinham dificuldades para possuir terras, financiamentos de bancos ou aposentadoria, visto que eram consideradas donas de casa e não se enquadravam como trabalhadoras. Hoje as leis mudaram em relação à posse de terra. "O acesso também é um direito constitucional, porém depende de política pública da reforma agrária que historicamente foi ignorada por sucessivos governos, em especial no projeto governamental atual, não há previsão de efetividade desse direito”, explica a advogada Jeaneth Nunes. Andreia do Nascimento trabalha na lavoura com o marido e diz que os dois fazem a maior parte do serviço, sem ajuda de muitos “camaradas” - expressão regional que se refere aos ajudantes. “Contratamos no máximo dois camaradas, se não, não sobra dinheiro pra nós”, observa.
Educação para as mulheres no meio rural
Andreia do Nascimento concluiu apenas o ensino fundamental e terminou o restante dos estudos por meio do Programa de Educação para Jovens e Adultos (EJA). Ela acredita que o estudo é muito importante, mas quando era jovem não compreendia dessa forma. Andreia conta que sua filha (Jaqueline) foi embora não porque não gostava do trabalho do fumo, mas porque ela insistiu que a filha buscasse outras formas de trabalho ou que continuasse os estudos.
No intuito de disseminar a educação no território nacional, o Ministério da Educação (MEC) fez a implantação da Política Nacional de Alfabetização (PNA). O PNA consolida uma série de indicadores educacionais, entre eles os resultados da Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA), feita em 2016, que contabiliza que “54,73% de mais de 2 milhões de alunos concluintes do 3º ano do ensino fundamental apresentaram desempenho insuficiente no exame de proficiência em leitura”. Na mesma pesquisa, um terço dos alunos apresentavam níveis “insuficientes” em escrita.
Outros dados compilados pelo MEC são os resultados do Programa Internacional de Avaliação dos Estudantes, mais conhecido pela sigla Pisa. Nesta avaliação o Brasil ficou em 59º lugar em leitura num ranking de 70 países.
A agente comunitária de Queimadas, Sônia Marques, que atua na Unidade de Saúde há 12 anos, analisa que as mulheres não continuam estudando por uma questão cultural e pela falta de incentivo dos pais que acabam por condicionar a realidade dos filhos ao trabalho no fumo. Poucas meninas fazem faculdade, as que ficam muito tempo no interior acabam desistindo ou fazendo estudo à distância (EAD): “Tem muitas que estão trabalhando no fumo mesmo com a faculdade, porque não conseguiram emprego, sabe que hoje em dia precisa estar sempre se atualizando". A agente comunitária aconselha as meninas a continuarem com os estudos. “Elas dizem: O que adianta estudar pra mexer na roça, pra cuidar de filho, eu escuto muito isso”, lamenta. Para Sônia, um impeditivo para as meninas saírem do meio rural é que elas acabam desenvolvendo mais o papel de cuidar da casa para ajudar a família.
Com a experiência de Sônia Marques nas comunidades rurais, ela acredita que as meninas se casam jovens demais e acabam permanecendo em uma relação sem estabilidade. “Por isso não conseguem mais estudar, geralmente. Algumas mulheres engravidam novamente até mesmo no próprio tempo que ainda estão de dieta da primeira gravidez”, relata. A psicóloga Rosana Martins de Souza, que tem 31 anos de experiência na psicologia e trabalha na Unidade de Saúde de Queimadas, afirma que as mulheres em acompanhamento psicológico relatam que suas principais queixas são em torno dos convívios sociais: “Disparados na frente são os sinais relacionados à depressão e ansiedade. Insatisfação com situação do relacionamento com companheiro, dificuldades de impor regras e limites aos filhos e em relacionamentos abusivos”, explica Rosana.
Combate à violência contra a mulher
Uma das poucas pesquisas sobre o tema da violência foi realizada durante a 4ª Plenária Nacional de Mulheres Trabalhadoras Rurais, em novembro de 2008. Ela revelou que cerca de 55% das mulheres do campo já haviam sido vítimas de algum tipo de violência no âmbito doméstico ou familiar e que 19,5% declararam que ainda sofriam algum outro tipo de violência.
Para além dos dados, a pesquisa “Violência contra as mulheres trabalhadoras rurais nos espaços doméstico, familiar e no movimento sindical”, da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), mostrou que 63,6% das agressões foram cometidas pelos maridos ou companheiros; 27,6% das entrevistadas já haviam sofrido ameaças de morte; 11,9%, estupro marital; e 4,4% haviam sido vítimas de cárcere privado.
Rosana, quando questionada sobre os principais tipos de violência que as mulheres relatam na terapia, explica que a maior frequência são os relacionamentos abusivos e violência psicológica e sexual. "Parece que essas questões levam tempo para serem assimiladas como violência”, observa. O ato das mulheres demorarem a entender que estão sofrendo violência prorroga o sofrimento e faz com que a vítima permaneça em um relacionamento abusivo. Sônia também relata que as mulheres chegam na Unidade de Saúde contando os abusos sofridos em casa. O fato das mulheres não terem independência financeira as deixa reféns de violências vindas do parceiro. Quando questionada sobre a existência de um perfil da vitima de violência, a psicóloga Rosana Martins comenta: “O perfil que chega na rede pública, na maioria dos casos atendidos (entenda que há exceções bem atípicas) apresenta história familiar primária com presença de violência, precária independência financeira e emocional e pouco estudo”. Ela coloca a falta de renda como um dos problemas enfrentados pelas mulheres rurais que procuraram atendimento psicológico na Unidade de Saúde de Queimadas. A violência letal contra a mulher pode ser considerada o resultado final e extremo de uma série de violências sofridas, nesse sentido, um cenário com acesso limitado aos canais de denúncia e aos serviços de proteção faz diminuir os registros de crimes relacionados à violência contra as mulheres. A reportagem tentou contato, durante meses, com a Delegacia da Mulher para coletar dados sobre os boletins de ocorrência na área rural, mas não teve retorno.
O Atlas da Violência de 2020, registrou que uma mulher é assassinada a cada duas horas no Brasil. De acordo com o Atlas, entre 2008 e 2018, o Brasil teve um aumento de 4,2% nos assassinatos de mulheres. No Brasil, a tipificação criminal foi dada pela Lei no 13.104, de 2015, que definiu o crime como o homicídio de mulheres em contexto de violência doméstica e familiar ou em decorrência do menosprezo ou discriminação à condição de mulher.
Jeaneth Nunes destaca uma das leis que protege as mulheres. “A Lei Maria da Penha 11.340/2006 é uma lei federal e se aplica a todas, no âmbito do território brasileiro. Essa lei é um marco jurídico e procura coibir a violência doméstica contra as mulheres em geral, tanto no âmbito urbano como rural, abrangendo todos os tipos de violência física, psicológica, emocional e inclusive a financeira”. A lei tem regras em relação à retirada do boletim de ocorrência, visando a segurança para a vítima de violência doméstica, e seguindo os protocolos da máquina judiciária.
O Anuário Brasileiro de Segurança Pública registrou um aumento de violência doméstica no Paraná. No ano de 2019, o total era de 15.606 de ligações registradas no 190 sob a natureza violência doméstica. No ano de 2020 o total foi de 16.933, confirmando a ideia de que esse tipo de violência havia aumentado no período da pandemia. Diferente das recomendações da ONU, o Brasil não adotou todas as medidas de enfrentamento à violência de gênero, investindo apenas em serviços de atendimento online para a realização de denúncias e expansão dos canais de denúncia telefônica. A denúncia por telefone é uma condição adversa para as mulheres das zonas rurais em que a conexão é falha e não possuem linha telefônica. Nas comunidades da área rural de Palmeira não tem patrulhamento policial, o que exige que as mulheres vítimas de violência se desloquem para a cidade para fazer a denúncia e solicitar auxílio.
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