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44,63% das famílias do interior são lideradas por mulheres


Que as mulheres trabalham mais que os homens não é novidade, de acordo com o Relatório da Pesquisa Sem Parar, realizada pela Sempreviva Organização Feminista (SOF) e a Gênero e Número. Na participação familiar as mulheres rurais ocupam 50%, enquanto as mulheres da área urbana correspondem a 46%. Na pandemia do novo coronavírus, as mulheres representavam 44% daquelas que afirmaram que a pandemia comprometeu seu sustento. Entre as mulheres entrevistadas na pesquisa, 47% afirmaram ser responsáveis pelo cuidado de outra pessoa e 57% delas relataram ser responsáveis por filhos de até 12 anos. Os dados indicam que as mulheres passam mais tempo no cuidado de outras pessoas, sem a divisão dessa responsabilidade entre as pessoas da família. “A pesquisa indica que 42% das mulheres responsáveis pelo cuidado de outra pessoa o fazem sem apoio de pessoas de fora do núcleo familiar”, aponta o Relatório. O trabalho das mulheres em casa se intensificou com a pandemia. Devido ao fechamento das escolas, muitas tiveram que dividir seu tempo entre os afazeres domésticos, o trabalho na lavoura e o cuidado com os filhos. Os resultados da pesquisa chamam a atenção sobre a organização do trabalho doméstico na relação com o trabalho remunerado. Os dados mostram que 65,4% das mulheres disseram que a responsabilidade com o trabalho doméstico e de cuidado dificulta a realização do trabalho remunerado. No caso das mulheres rurais, o trabalho passa a ser parcial, já que elas precisam estar presentes em ambos. Para a advogada Jeaneth, o direito da mulher mais ignorado é o vínculo empregatício: “O agravante é que, ao não ter Carteira de Trabalho assinada e Previdência Social, se afastam todos os demais direitos da trabalhadora”, esclarece. As mulheres acabam acumulando essas cargas porque os serviços realizados por elas são considerados como uma “ajuda” ao cônjuge.

De acordo com Sônia Maria Marques, agente comunitária da comunidade de Queimadas, a maioria das mulheres rurais trabalham como agricultoras, apenas as aposentadas já

deixaram a lavoura para trás. O plantio de fumo é o mais lucrativo para as famílias se manterem: “É uma fonte de vida deles no interior, entra todo tipo de coisa para eles associarem junto com o fumo, como a lavoura e a horta. Mas por conta da venda os agricultores optam pelo fumo, deixando outros trabalhos de lado. O fumo rende mais, mas tem muito gasto, é a compra de lenha, é a luz, poucas famílias pagam menos do que 500 reais de luz”. A agente comunitária comenta que algumas famílias acabam se endividando por conta de empréstimos, para manterem as estufas e a plantação. O Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Palmeira foi questionado sobre os serviços que prestam aos agricultores. “Oferecemos serviços como encaminhamentos ao INSS, geração de documentos, encaminhamentos de projetos para aquisição de crédito rural”, esclarece Vilmar Sergiki, presidente do sindicato. Sobre a atuação do sindicato junto às mulheres, Vilmar Sergiki relata que são oferecidos benefícios na área da saúde, contando com uma médica que atende casos de neuropatia. "Nos preocupamos com a saúde e bem estar das mulheres, promovemos encontros e dias de beleza, palestras sobre cuidados, fazemos cursos para que elas consigam ter uma renda extra”. De acordo com ele, os encontros diminuíram, principalmente com a pandemia de covid-19, mas são realizados cursos durante o ano. No mês de março, sempre foi realizado um encontro maior em homenagem ao Dia Internacional da Mulher (8 de março). No sistema do Sindicato estão cadastradas 1.547 mulheres, mas nem todas estão em dia com a entidade. Estatísticas da ONU realçam que as mulheres rurais são um quarto da população mundial e uma em cada três mulheres com emprego no mundo trabalha no setor da agricultura. Apesar de grande representatividade, muito do trabalho desenvolvido pelas mulheres continua sendo invisível e não pago. Segundo a ONU, as trabalhadoras rurais estão piores do que homens rurais ou mulheres que vivem em cidades em quase todos os indicadores. A advogada, Jeaneth Nunes, explica quais são os direitos assegurados às mulheres rurais: “A trabalhadora rural é uma cidadã que goza das prerrogativas constitucionais, dentre elas os direitos trabalhistas e previdenciários, previstos no artigo 7 da Constituição Federal, carteira assinada, salário mínimo, jornada de 44 horas semanais, décimo terceiro, férias acrescidas de 1/3 e FGTS”.


Trabalho doméstico


Mulheres como Andreia, Andréa e Maristela dividem os dias entre a lavoura e a casa, cuidam das hortas e das criações de animais. O marido de Andréa Baggio é caminhoneiro e passa dias viajando, ela administra a casa com a companhia dos dois filhos, Ana Flávia (13) e Gabriel (8). Euclides já passou mais de 90 dias fora, enquanto ela cuidava dos filhos, da casa e do trabalho na lavoura. Com a lavoura e sem ajuda em casa, Andréa tem uma rotina cansativa: "Chega de tarde, você não quer mais nada, mas chega na casa tem louça, bagunça, filho com fome, você quer ir lá, tomar banho, deitar e esquecer. No outro dia 6 horas ou antes já tem que levantar". Sua colega de profissão, Andreia do Nascimento, acredita que as mulheres rurais acabam trabalhando mais que os homens. "Por mais que o trabalho do homem seja mais pesado, a mulher se desdobra, faz duas, três coisas ao mesmo tempo, às vezes alguma coisa não sai bem feita porque precisa estar de um lado pro outro né", comenta.


Andreia do Nascimento tem a mesma visão que sua colega sobre a sobrecarga de trabalho. Para ela, as mulheres trabalham mais e acabam acumulando funções. "A gente sempre fala que a mulher trabalha mais que o homem porque a gente tem que ir junto pra roça, tem que ajudar em tudo o que tem de serviço lá da roça e a gente tem a casa. Então a gente trabalha mesmo, mais puxado que os homens", avalia.


Quando Andreia e seu marido, Mauro, não estão trabalhando no fumo, ele trabalha de pedreiro e ela fica cuidando da casa e dos animais, porcos, galinhas e carneiros. Jaíne (15), que é a filha mais nova, ajuda no trabalho de casa quando os pais estão na lavoura, fazendo o almoço e limpando. A filha mais velha de Andreia, Jaqueline (21), se mudou para Palmeira (PR) junto com o ex-marido para trabalhar em uma empresa, na época ela não queria trabalhar na lavoura e buscou outras alternativas. "Aqui no interior, praticamente todas as mulheres vão junto para a roça, quem não tem um que fique na casa fazendo uma comida, tem que largar de lá e vim fazer, mais ou menos a mesma rotina de todo mundo", explica Andreia. Ela também é ministra e ajuda a cuidar da igreja de Vileiros. As celebrações são no domingo pela manhã ou durante a semana no período da tarde. Andreia considera que é complicado conciliar tudo, porque precisa deixar de realizar um serviço para fazer outro: "Tem missa no meio da semana e se a gente tá trabalhando no fumo ou em casa e tem missa e é o dia da gente ajudar o padre, tem que deixar o serviço e ir, não tem o que fazer".


"Chefas" de família


De acordo com dados fornecidos pela Assistência Social de Palmeira (PR), a área rural possuí 1.340 mulheres cadastradas no CADÚNICO e CRAS - Centro de referência de Assistência Social e, dentre estas, 717 são mulheres responsáveis por familiares. Ao todo são 598 famílias lideradas por mulheres com renda per capita de até meio salário mínimo e 119 famílias cuja responsável familiar é mulher, com renda superior a meio salário mínimo. Além disso, 71 famílias possuem renda de extrema pobreza e 271 são beneficiárias do Programa Bolsa Família. O Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF), oferecido pelo CRAS, faz o acompanhamento de 101 famílias por meio de serviços da Assistência Social, sendo 29 famílias de mulheres que residem no interior. Já o Família Nossa Gente (antigo Família Paranaense), programa do Governo do Paraná para reduzir a pobreza no Estado, faz o acompanhamento de 92 famílias, sendo 88 na área rural, e dentre estas, 83 são chefiadas por mulheres. No Cartão Cidadania, criado pelo governo federal, que possui benefícios trabalhistas e/ou sociais, estão cadastradas 1.695 famílias que recebem ou já receberam o cartão cidadania. Aproximadamente 1.525 delas são representadas por mulheres quem vão para o atendimento, das quais, cerca de 600 são mulheres que residem no interior. O Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculo, vinculado ao CRAS, prevê o atendimento de 150 pessoas, sendo que 90% são mulheres, e é ofertado nas localidades de Boa Vista, Encruzilhada, Faxinal dos Mineiros, Limeira, Queimadas e Guarauninha. O serviço está parcialmente suspenso por conta da pandemia.

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